A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira, 17, por 385 votos a 18, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 135/2020, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Esta pode ser considerada uma das maiores conquistas da Ciência brasileira dos últimos tempos. Com a aprovação, fica estabelecido em lei a liberação total dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é a principal ferramenta de financiamento de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) do país.
O projeto já havia sido aprovado em agosto pelo Senado Federal, por 71 votos a 1. A articulação junto aos parlamentares foi fundamental nesse processo, debatendo, aglutinando apoio e dedicando esforços pela aprovação do PLP. Tudo isso reflete a mobilização da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), junto a dezenas de instituições da área científica e tecnológica, bem como setores empresariais que aplicam recursos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), e dezenas de sociedades científicas associadas à SBPC.
O projeto, que proíbe o contingenciamento futuro de recursos do Fundo, seguirá agora para sanção presidencial. O texto mudou a natureza do Fundo. Ele deixa de ser uma anotação contábil no caixa único do Tesouro Nacional e passará a ter seus recursos depositados em conta de instituição financeira. Estes recursos, quando não desembolsados durante o exercício ou ano fiscal, poderão ser acessados nos anos seguintes. Como os projetos de pesquisa e inovação são de médio e longo prazos, a nova forma de funcionamento do FNDCT dará mais estabilidade e perenidade para o setor. Por exemplo, de acordo com os dados mais atuais, apenas cerca de 13% dos R$ 6,8 bilhões arrecadados pelo Fundo em 2020 estão disponíveis para investimentos não reembolsáveis em atividades de PD&I realizadas por universidades, institutos de pesquisa e empresas. Um total de R$ 4,6 bilhões estão retidos nos cofres do governo federal. Isso não acontecerá mais com o novo formato.
Apesar do presidente Bolsonaro afirmar em suas mídias sociais que não irá vetar, sabe-se que a equipe do ministro Paulo Guedes irá orientar veto na questão da natureza do Fundo e o presidente mais de uma vez fez declarações e depois, diante da pressão da área econômica, mudou de opinião. Até porque, não podemos esquecer que o governo tentou extinguir o Fundo através da PEC 187. Além disso, o governo não votou favorável ao projeto na Câmara e no Senado. Ele apenas liberou suas bancadas para cada parlamentar votar de acordo com sua consciência e compreensão do processo. E só fez isso após muita pressão da sociedade civil. Assim, é necessário manter a mobilização e o contato com os parlamentares.
Mobilização e unidade foram fundamentais nesta luta
No dia 5 de fevereiro de 2020, no escritório da SBPC em Brasília, aconteceu o primeiro encontro de entidades científicas e tecnológicas e representantes da indústria na área de inovação. A reunião fora convocada pelo Comitê Executivo da ICTP.br para debater e organizar uma resposta à Proposta da Emenda Constitucional 187/2019 (PEC da extinção dos fundos), que propunha a extinção de dezenas de fundos, entre eles o FNDCT.
A resposta foi rápida e enérgica, obtendo a exclusão do FNDCT do relatório aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Assim, a PEC 187 deixou de ser uma ameaça.
Mas a mobilização deixou frutos e foi criado o Fórum FNDCT, que em plena pandemia, no dia 8 de julho, lançou a campanha “Liberem o FNDCT – O fundo brasileiro para a Ciência e Tecnologia”. E uma das pautas principais do programa era a provação do PLP 135/2020.
Participaram do Fórum FNDCT as oito entidades do Comitê Executivo da ICTP.br – ABC, Andifes, Confap, Confies, Conif, Consecti, IBCIHS, SBPC – e mais ABRUC, ABRUEM, AFIN, ANPEI, ANPG, ANPROTEC, ASFOC, CRUB, FORTEC, Fórum dos Diretores dos Institutos do MCTI, Fórum Nacional das Entidades Representativas das Carreiras de C&T, PROIFES, SINDCT e SINDGCT. Pela parte das empresas participam a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI). Ainda, a SBPC mobilizou mais de uma centena de sociedades científicas, que assinaram os manifestos e enviaram mensagens aos parlamentares, amplificando o debate e mobilização junto à comunidade científica.
Fórum escreveu carta agradecendo o apoio dos parlamentares
No dia 21 de dezembro, as entidades que compõem o Fórum FNDCT enviaram carta ao presidente do Senado, David Alcolumbre e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, agradecendo o apoio do Parlamento e a aprovação do PLP 135/20.
A carta afirma que “As entidades abaixo vêm agradecer ao parlamento brasileiro pela aprovação do PLP 135/2020, do senador Izalci Lucas, que descontingencia os recursos do FNDCT e o transforma em um fundo financeiro estável, condição essencial para o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil.”
E conclui “O resultado das votações, tanto no Senado quanto na Câmara Federal, por consagradora maioria, demonstra a compreensão da importância que a Ciência, Tecnologia e Inovação podem exercer na construção e desenvolvimento do nosso país.”
FNDCT é fundamental para a CT&I nacional
Os recursos do FNDCT são essenciais para o desenvolvimento científico, pois viabilizam o progresso de projetos importantes para o país, como o Sirius – maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no país e uma das primeiras fontes de luz síncrotron de 4ª geração do mundo. A luz síncrotron permite a investigação estrutural de moléculas complexas, produção de novos medicamentos e partículas nano-estruturadas desenvolvidas para o combate a diferentes tipos de vírus e bactérias, entre outros fins. Em momento de pandemia, ao qual estamos vivenciando, é de suma importância que projetos como este tenham recursos suficientes para aperfeiçoar os estudos na área da saúde.
Além do Sirius, podemos citar o LabOceano, considerado o maior tanque oceânico do mundo, instalado na UFRJ por pesquisadores da Coppe. Esse tanque representa um suporte tecnológico estratégico para o Brasil, que possui mais de 90% de suas reservas de petróleo concentradas no mar, e para as indústrias do setor petrolífero e naval. O FNDCT foi de extrema relevância também no financiamento de recursos para o AME – Automação da Montagem Estrutural de Aeronaves – desenvolvido pelo ITA em parceria com a Embraer.
Além desses 3 projetos, devemos considerar que, não menos importantes, há no Brasil milhares de estudos que dependem ou aguardam os recursos do FNDCT para que possam avançar na Ciência brasileira.
A aprovação do PLP 135/2020 foi uma conquista de todos; da sociedade, da comunidade científica e de instituições e associações que visam o progresso da nação. É notável a representação de organizações e entidades nessa batalha para a liberação do fundo, expressa em cartas públicas, ou endereçadas às autoridades do governo; manifestações em redes sociais; reuniões com líderes do governo e a criação de iniciativas em prol da proibição do contingenciamento dos recursos do FNDCT.
Foi uma batalha árdua, de todos que se empenharam pela Ciência brasileira. E para o sucesso dessa batalha, foi fundamental e respeitável o apoio de todos os deputados e senadores que votaram a favor do PLP 135/2020.