A urgente flexibilização de patentes, pela reitora da Unifesp à Folha de São Paulo

Diante das dificuldades em vacinar a população para combater a pandemia da Covid-19, o mundo debate sobre a patente e os direitos de produção e venda de vacinas. Essa questão envolve o Brasil e em especial a comunidade científica. Veja abaixo o artigo publicado na Folha de São Paulo, em 21 de abril, sobre a visão da reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili. 

A urgente flexibilização de patentes

O momento epidemiológico torna urgente o debate sobre as patentes das vacinas contra a Covid-19. Após pouco mais de um ano de pandemia, a ciência produziu, em tempo recorde e com espírito de colaboração mundial, várias vacinas, das quais algumas já em uso. Acreditava-se, inclusive, que essa corrida resultaria em mais cooperações, tais como a da Covax Facility, em estratégias de coalização internacional em prol da produção de imunizantes para todos os países, dos mais ricos aos mais pobres.

Contudo, a ideia de cooperação deu lugar a uma forte competição. Países mais ricos, com recursos para investir na produção de suas vacinas e respectivas patentes, passaram a estocá-las em número maior ao necessário para sua população, e o que temos é um alto risco de monopolização desse valioso produto.

Por outro lado, ganha força um movimento junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para uma ação conjunta visando a flexibilização de patentes em um envolvimento global, que permitiria ampliar a produção mundial e o acesso de milhões de pessoas aos imunizantes. A iniciativa foi encabeçada por Índia e África do Sul e congregou mais de 50 países emergentes. A China já se colocou a favor da medida. Entretanto, em reunião ocorrida em outubro de 2020, o Brasil não se mostrou favorável, postando-se ao lado dos Estados Unidos.

De lá para cá, porém, muita coisa mudou. Há o agravamento na situação de emergência sanitária, com o surgimento de novas variantes do vírus, e a eleição de Joe Biden nos EUA, que deu fim a uma política negacionista, fortalecendo decisões com base em evidências, política de vigilância sanitária e vacinações em larga escala. Na Europa, há amplas campanhas de isolamento acopladas às imunizações. Contraditoriamente, América Latina e África são as regiões com as menores taxas de imunização no mundo.

É justamente essa disparidade que faz urgente o debate sobre as patentes e a concentração de renda. Não se trata de fazer quebras de patentes indiscriminadamente, impedindo que as empresas tenham o retorno de seus investimentos, mas da busca de um grande acordo internacional que salvará muitas vidas. Haverá novas reuniões na OMC, o tema será tratado de modo mais contundente e poderá ser formada uma ampla ação mundial.

O Brasil tem capacidade científica e tecnológica que pode ser rapidamente acionada se houver investimento e clara diretriz para a produção de mais vacinas. Precisamos ainda reativar a produção industrial na área de insumos farmacêuticos, que poderá, inclusive, gerar empregos e crescimento econômico.

A partir de uma política internacional de flexibilização e de cooperação mútua, podemos ajudar nosso país e também os latino-americanos na produção de mais imunizantes. A abertura de patentes nos permitirá ganhar tempo, obter autonomia em relação às vacinas e recuperar um espaço perdido. Será uma grande estratégia de integração e solidariedade internacional, com mais vacinas para toda a população. Transformará as ações para superarmos a crise, com base na ciência, na criatividade e na força do povo brasileiro. Essa é a nossa saída neste momento.

Notícias Recomendadas