Sem bloqueio, fundo tecnológico vai quase quintuplicar em quatro anos

Lei impede contingenciamento, mesmo assim recursos serão insuficientes

Os recursos disponíveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) devem saltar dos R$ 2,2 bilhões de 2020 para R$ 9 bilhões em 2024, estima o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Num cenário mais otimista, chegaria a R$ 9,9 bilhões.

Os dados constam da nota técnica a ser publicada nesta segunda-feira e antecipada ao Valor.

O crescimento decorre da Lei Complementar 177, aprovada este ano, que impede o governo de contingenciar (bloquear) recursos desse fundo para melhorar o resultado das contas públicas. Nos últimos anos, o FNDCT vinha arrecadando de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões, mas os recursos não eram totalmente liberados.
Apesar do crescimento, o dinheiro não será suficiente para atender à demanda, avalia André Tortato Rauen, diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura e coautor do trabalho, junto com Priscila Koeller. “Vai ser como água no deserto”, disse. “É necessário, mas não suficiente.”

Ele compara o fundo com a recém-lançada política industrial dos EUA, que vai investir US$ 250 bilhões para fazer frente à concorrência com produtos chineses.
O reforço no FNDCT demandará alterações na governança, disse Rauen. Formado por recursos de fundos específicos, como de energia e petróleo, o fundo tinha como característica investir na solução de problemas concretos desses setores. Ao longo do tempo, porém, os mecanismos de decisão foram sendo alterados, de forma que no período mais recente as decisões eram tomadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). “A sociedade vai querer resgatar a decisão da alocação.”

O uso do dinheiro extra deverá gerar disputa. O diretor-presidente da Embrapii, Jorge Guimarães, disse que vai pleitear recursos, agora que organizações sociais foram incluídas no rol das possíveis financiadas pelo FNDCT.

Ele argumenta que os recursos poderão dar forte impulso à inovação industrial, um objetivo original da criação do fundo. A Embrapii, que recebeu apenas R$ 580 milhões em verbas federais, tem hoje uma carteira de 850 empresas trabalhando em fomento à inovação.

Há risco de dispersão do FNDCT, porque a lei estabeleceu uma lista ampla de itens que podem ser financiados por ele. Vai de pesquisa básica à capacitação de recursos humanos e transferência de tecnologia. “Está todo mundo de olho”, disse. “Não vai dar para o café.”

Na visão de Rauen, o cenário do financiamento à pesquisa e à inovação no Brasil poderá ser melhorado se o governo fizer bom uso de seu poder de compra. Ele citou como exemplo o desenvolvimento da vacina contra covid-19 pela Fiocruz com a AstraZeneca. Foi um caso de encomenda tecnológica.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é grande comprador, mas usa pouco seu peso para fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico. Licitações mais bem desenhadas, com exigências de inovação e de uso de conteúdo local, poderiam estimular empresas a investir mais em pesquisa, acredita.

Outro item importante para melhorar o cenário, avalia, seria melhorar o ambiente de negócios no país. É uma frente que o Ministério da Economia vem atacando. Para a inovação, são importantes itens como: facilidade para abrir e fechar empresas, acesso a crédito com poucas garantias reais, rapidez na importação de máquinas e equipamentos e a possibilidade de importar mão de obra.

O estudo mostra que, ao longo do tempo, o FNDCT teve receitas crescentes. Partiram de 0,02% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2002 até chegar a 0,1% do PIB em 2020. No entanto, em razão dos contingenciamentos, a parcela não executada do orçamento chegou a 89,4% em 2020. Os recursos eram direcionados à reserva de contingência.

A partir do fim do contingenciamento, o Ipea estimou as receitas do FNDCT em dois cenários: um primeiro, baseado nas previsões de arrecadação constantes do projeto de lei de orçamento de 2021. Nesse, a execução do FNDCT chegaria a R$ 9 bilhões em 2024.

No segundo cenário, no qual o ponto de partida é a estimativa de receita primária líquida que está na mensagem que acompanhou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022, as despesas executadas do FNDCT chegariam a R$ 9,9 bilhões em 2024.

Fonte: Valor Econômico

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