Por Celso Pansera
Este dezembro tem um significado decisivo para os rumos da ciência brasileira: deverá ser definido até o fim do ano o Orçamento da União para 2022. A depender do que decidirem deputados e senadores, teremos um aceno para o futuro ou um retorno ao passado.
O ponto de inflexão entre esses dois cenários está na maneira como o governo federal vem desfazendo um sistema de produção e disseminação do conhecimento que é hoje um ator respeitável no cenário científico global. Entre os países emergentes de maior peso econômico e os do Primeiro Mundo, de 1996 a 2020, somente a ciência chinesa cresceu mais que a brasileira. Em 1996, o Brasil ocupava a 21ª posição no ranking global da produção científica; há sete anos se mantém na 14ª.
Não por coincidência, nas décadas mais recentes o trabalho de seus cientistas ajudou muito o Brasil a obter conquistas de relevo global. Uma delas foi termos nos tornado um dos líderes mundiais na produção de alimentos. Outra, a obtenção da autossuficiência em petróleo. Uma terceira, a contenção do surto de microcefalia causado pelo vírus da zika em recémnascidos, entre 2015 e 2016.
Contraditoriamente a esse desempenho, o governo Bolsonaro está submetendo as instituições de pesquisa a um regime de pão e água. Em outubro, de R$ 690 milhões que deveriam ir para ciência, R$ 600 milhões foram remanejados para outras áreas. Diversas iniciativas em andamento tiveram de ser congeladas, gerando ainda mais frustração e pessimismo no ecossistema de ciência, tecnologia e inovação (CT&I).
Contrariando a legislação, o governo federal está retendo R$ 2,7 bilhões dos R$ 5,3 bilhões que serão arrecadados neste ano pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), abastecido por contribuições de empresas e principal fonte de financiamento da ciência no Brasil.
Esses acontecimentos de agora não são casuais. O orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do ano passado, R$ 3 bilhões, corresponde ao de 2011. No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o R$ 1,2 bi desembolsado em 2020 equivale à metade de 2000. As bolsas dessas duas instituições estão congeladas desde 2013.
O orçamento executado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em 2020, R$ 7 bilhões, equivale ao de 2006!
O orçamento de 2022 precisa garantir o funcionamento do ambiente de ensino superior e CT&I federais sem sobressaltos. O mínimo que se espera é a correção pela inflação dos valores executados em 2019, último exercício em que as instituições funcionaram de forma minimamente satisfatória.
Em relação ao FNDCT, além do não contingenciamento, no máximo 15% de seus recursos devem ir para operações de crédito para pesquisa, desenvolvimento e inovação em empresas e 85% para investimentos em instituições de ensino e pesquisa.
O Brasil precisa que sua ciência caminhe para o futuro. Esperamos a compreensão dos deputados e senadores e o apoio da sociedade brasileira.
Celso Pansera – Secretário executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento – ICTP.br
Fonte: Jornal O Globo