Por Celso Pansera
Após quase três anos, me despeço das minhas responsabilidades como Secretário Executivo da ICTP.br. Na verdade, passaram-se mais de três anos, desde o dia em que Ildeu Moreira, então presidente da SBPC, falou pela primeira vez sobre a necessidade de formar uma frente em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
Era novembro de 2018, o Brasil se encontrava diante de um presidente eleito que emitia sinais de contrariedade com o financiamento público ao Ensino Superior e ao setor de CT&I. A conversa foi no meu gabinete na Câmara. O resultado das urnas havia terminado com minhas pretensões de um novo mandato como deputado.
De pronto, abracei a ideia e começamos a pensar juntos nesta questão, que a princípio chamamos de Observatório. O passo seguinte foi uma reunião na sede da Coppetec, onde levamos o esboço ao presidente do Confies, Fernando Peregrino.
O passo seguinte se deu na sede da Academia Brasileira de Ciências, com a presença de representantes da ABC, SBPC, Confies, Conif e Andifes. Durante o verão de 2019, realizamos diversos encontros, em que foram incorporados o Confap, o Consecti e o Ibrachics, formando assim a estrutura do atual Comitê Executivo.
A concepção também foi sofrendo alterações na medida em que o debate avançava. O conceito de “observatório” foi abandonado, pois nosso objetivo era expressar um movimento em defesa da CT&I no Parlamento e, assim, surgiu a palavra Iniciativa, indicando a ideia de ação e não apenas de observação.
A ICTP.br foi lançada oficialmente no dia 6 de maio de 2019, mas antes disso já havíamos travado duas grandes batalhas: a derrubada de um veto à lei 13.800/2019 (lei dos fundos patrimoniais) e uma alteração na MP 870/19, que transferia a Secretaria Executiva do FNDCT da Finep para o MCTI. Com muita mobilização e debate, obtivemos vitórias nas duas questões, reforçando a percepção sobre o quanto era necessário ter uma frente unificada do setor para atuar junto ao Parlamento.
No segundo semestre de 2019 enfrentamos outro grande desafio: o corte de recursos ao CNPq, comprometendo o pagamento das bolsas a partir do mês de setembro daquele ano. Após organizar um abaixo-assinado, aglutinar mais de 1 milhão de assinaturas, fomos recebidos pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e uma comissão de parlamentares. A entrada do Parlamento nesta questão foi determinante para a obtenção de recursos adicionais na ordem de R$ 125 milhões, permitindo ao CNPq realizar o pagamento das mais de 75 mil bolsas então ativas.
A guerra em defesa do FNDCT
Com um governo inimigo da Ciência em ação, não faltam emoções! Em novembro de 2019, são anunciadas uma série de medidas com o objetivo de reformar o estado brasileiro. Entre elas, a PEC 187/2019, que extinguia os fundos infraconstitucionais, incluindo nesta lista macabra o fim do FNDCT e a transferência dos seus recursos ao Tesouro Nacional com o intuito de abater o valor da dívida da União junto ao sistema financeiro.
A reação foi imediata e se estendeu por todo o verão seguinte. No dia 5 de fevereiro de 2020, a ICTP.br organizou uma reunião com entidades nacionais do ecossistema de CT&I, reunindo a ANPG, Proifes, CNI, Afin, Fórum CT&I, Asfoc, SindGCT, entre outras. Esta reunião foi o embrião de um movimento ainda maior, que hoje denominamos Fórum FNDCT e aglutina mais de 40 entidades nacionais.
A unidade destas entidades foi determinante na defesa do FNDCT e, ainda no início de 2020, a CCJ do Senado aprovou emenda do senador Rogério Carvalho (PT/SE), retirando o Fundo do alcance da PEC 187/19.
Se analisarmos toda a trajetória da ICTP.br durante estes dois anos, fica evidente identificarmos o assunto de maior discussão e mobilização da ICTP.br: o FNDCT. O grande esforço empreendido por meio da unidade de diversas entidades em conseguir com que os recursos contingenciados do fundo fossem liberados resultaram na aprovação do PL 135/2020, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB/DF).
Dada à extrema relevância do PLP 135/2020 para a CT&I, a ICTP.br liderou uma mobilização entre agosto de 2020 e abril de 2021 pela aprovação do projeto e depois a derrubada dos vetos presidenciais. Em meio à pandemia do novo Coronavírus, foram organizados diversas mobilizações e campanhas virtuais, negociações com lideranças partidárias, manifestos e cartas abertas destinadas aos parlamentares e à sociedade brasileira, que culminaram com a aprovação do PLP no Senado e na Câmara.
Sancionada como Lei Complementar no 177/2021, o projeto foi alvo de vetos por parte do presidente Jair Bolsonaro, o que levou a mais ações da ICTP.br, principalmente na solicitação da derrubada dos vetos pelos parlamentares. Esta luta contou também com um abaixo-assinado reunindo mais de 130 mil assinaturas de apoio e obtendo a derrubada de um dos vetos.
Ainda nesta verdadeira guerra pelo FNDCT, tendo em vista o atraso na promulgação da lei com a anulação dos vetos presidenciais prestes à votação do orçamento, a ICTP.br requisitou a intercedência do presidente do Senado Federal para a promulgação da lei com a nova redação.
Logo, surgiu o PLN 8/2021 que não garantia a liberação integral e imediata dos recursos do FNDCT, exigida pela Lei Complementar no 177/2021. Nesta etapa, a ICTP.br decidiu por enviar uma carta aos líderes partidários, comissões e parlamentares ligados à CT&I para propor emendas ao PLN 8/2021 que incluíssem a liberação integral e imediata destes recursos.
O ano de 2021 terminou sem que obtivéssemos o cumprimento na LC 177/21 na sua totalidade, mas o orçamento aprovado para 2022 contém mecanismo assegurando a liberação do total dos recursos, com montante previsto superior a R$ 9 bilhões.
Outra questão que mereceu a atuação da ICTP.br foi o “sumiço” dos R$ 5 bilhões que foram anunciados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes para o ministério de CT&I durante audiência pública. Este fato provocou indignação por parte da ICTP.br que enviou uma carta ao ministro Paulo Guedes solicitando esclarecimentos acerca dos R$ 5 bilhões e da transferência dos recursos do FNDCT para uso do ministério da CT&I e suas agências.
A ICTP.br também se opôs às questões do Conselho Diretor do FNDCT, quando o governo pretendia editar a Medida Provisória que transferia a Secretaria Executiva do FNDCT da Finep para o ministério de CT&I, o que reduziria o alcance das decisões do Conselho Diretor do FNDCT. Enfim, esta é uma questão que ainda não está totalmente assegurada, mas avançamos bastante e será uma das pautas desenvolvidas nos próximos meses.
Outras ações desenvolvidas
Nestes quase três anos de atuação em defesa da Ciência e em prol da Educação Superior, a ICTP.br tem afirmado seu comprometimento em enfrentar as ações negacionistas e em detrimento à Ciência e à Educação. Isso pode ser comprovado pelas inúmeras atividades realizadas durante o período, sempre em conjunto com as entidades que compõem a ICTP.br e as demais parceiras do Fórum FNDCT.
Juntos, promovemos manifestações e atividades sociais contra atos autoritários do governo atual, que almejavam o sucateamento de órgãos científicos e de Educação, o negacionismo, a oposição às descobertas e recomendações de entidades científicas e de saúde (principalmente, relacionadas à pandemia de Covid-19), e o desfalque nas verbas destinadas à Educação e à Ciência.
Entre os exemplos, podemos citar o manifesto em defesa dos recursos para CT&I para o Orçamento de 2020. O manifesto publicado e destinado aos parlamentares visava esclarecer as necessidades e a importância do aumento dos recursos da CT&I, bem como propostas da ICTP.br para a recomposição do Orçamento para a pasta.
Já para o Orçamento de 2021, a ICTP.br e outras dezenas de entidades elaboraram uma carta explicativa sobre a necessidade do aumento nos recursos de CT&I para o Orçamento de 2021. O documento, além de fundamentar suas evidências por meio de gráficos cronológicos dos recursos de cada órgão em questão, determinava propostas e iniciativas legislativas para a CT&I.
Na Educação, a ICTP.br participou de manifestos a favor das universidades e institutos federais que tiveram redução de até 21% nos recursos do orçamento de 2021. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, recebeu uma carta em que a ICTP.br solicitava medidas que amenizassem a situação crítica que as universidades e institutos federais estavam (e continuam) enfrentando.
Também nos posicionamos a algumas questões relacionadas à Capes, órgão tradicionalmente competente e fundamental para o desenvolvimento da Ciência no país. Uma destas situações envolvia a recomposição do Conselho Diretor Superior da Capes, e a nomeação de um novo conselho. Neste caso, a ICTP.br tornou públicos seus questionamentos ao encaminhar uma carta dirigida à presidente da Capes, Cláudia Mansini Queda de Toledo.
Outra demanda importante envolvendo um órgão de relevância e atuação expressiva no país foi o bloqueio de R$ 116 milhões do orçamento do CNPq destinados ao pagamento de bolsas de pesquisa. Este episódio levou a ICTP.br a se posicionar a favor do CNPq; este que vem sofrendo há anos com redução de recursos por parte do governo federal.
Em defesa da autonomia universitária, lutamos também contra a MP 979/2020, publicada no dia 10 de junho de 2020 que autorizou o ministro da Educação nomear Reitores Pró-Tempore nas Universidades e Institutos Federais. Uma medida inconstitucional que fere a autonomia das instituições de Ensino, desrespeitando a Lei 11.892/2008 e o artigo 207 da Constituição Federal. No âmbito dos estados, nos opusemos aos interesses do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, que pretendia o esvaziamento da Fapemat, visando transformá-la num apêndice da Secretaria de Estado da CT&I.
A possível aprovação do PL 529/2020 Alesp, que transferia os saldos líquidos financeiros de determinado exercício das autarquias e fundações públicas para a Conta Única do Tesouro Estadual, afetando o orçamento da Fapesp, gerou três manifestos da ICTP.br. As cartas, endereçadas à Alesp e ao governador do Estado de São Paulo, João Doria, expressavam preocupação sobre a tramitação do projeto e o impacto negativo que a aprovação do projeto teria no ecossistema da CT&I paulista. Como resultado desta mobilização, a Fapesp ficou excluída do alcance da lei aprovada.
Contestamos contra os cortes de recursos para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) desenvolver radioisótopos; e quanto à liberação insuficiente de recursos para as cotas de importação, previstas na Lei no 8010 de 29 de março de 1990. Já no setor elétrico, enfrentamos e obtivemos resposta positiva quanto da aprovação da MP 998/2020, que retirava entre 30% e 100% dos recursos em aplicação em pesquisa e desenvolvimento do setor, para subsidiar o déficit contábil das empresas distribuidoras de energia.
Organização interna e comunicação
Para que todos estes manifestos alcançassem a comunidade, o governo, e parlamentares, incentivei a criação de redes sociais da ICTP.br com publicações diárias, enfocando os principais projetos de CT&I em tramitação nas instâncias parlamentares, assim como a divulgação de atividades sociais e científicas em defesa da Ciência e Educação do país, como por exemplo o tuitaço #SOSCiência, Quanto vale a Ciência?, Fórum FNDCT, Frente pela Vida, entre outros. Além disso, viabilizei a publicação semanal de boletins sobre as principais notícias relacionadas à Ciência e Educação no âmbito político e social.
Agradecimentos
Muitas foram as mãos e cabeças que se juntaram nesta luta. Para além as representações das entidades, o comprometimento pessoal de seus dirigentes com a ICTP.br e a lutas travadas foram determinantes para o sucesso até aqui atingido. Vale lembrar, ainda, das diversas pessoas que nos ajudaram na organização dos arquivos, das mídias sociais e análise de projetos, entre outras ações.
É de suma importância agradecer aos inúmeros parlamentares que nos ajudaram, tanto com apoio político em projetos e debates de medidas provisórias como na destinação de recursos via emendas parlamentares para a sustentação financeira da coalizão.
Impossível citar todos e todas, mas espero que um dia, após o fim da pandemia, possamos reunir todos e todas e fazer as merecidas e necessárias homenagens.
Perspectivas
Está claro que precisamos avançar na consolidação da ICTP.br como lócus de unidade de ação junto ao parlamento, não apenas nas instâncias federais como nas assembleias legislativas dos estados e nas câmaras de vereadores das principais cidades do país.
O formato de organização, o regimento interno com as regras de funcionamento e a incorporação de outras entidades e sociedades do ecossistema de Ensino Superior e CT&I também precisam ser debatidos e deliberados.
A semente já está plantada e tem frutificado bons resultados!
Celso Pansera
Ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação e presidente do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM)