Célere, desmonte evidencia antipatriotismo e irracional motivação ideológica
Por Fábio Guedes Gomes*
Desde o seu início, o mandato de Jair Bolsonaro (PL) acumula desfeitos contra a ciência brasileira: orçamentos anuais exíguos, negação de recursos mesmo para demandas especiais, como o desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus, e desprezo com a comunidade científica.
Nos meses de abril e maio, contudo, o governo desferiu duros golpes no sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, que reúne instituições de pesquisa públicas e privadas e empresas inovadoras —aquelas que desenvolvem produtos e serviços de maior valor agregado.
Há dois exemplos em curso do movimento de destruição do sistema de saber do país pela administração Bolsonaro.
Um, do início de abril, a edição da medida provisória 1.112/2022, ao criar o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País, que visa retirar de circulação de veículos de carga com mais de 30 anos de uso. A medida é até meritória. O problema reside no fato de o governo querer financiar o programa com recursos oriundos de contratos entre a Agência Nacional de Petróleo e as empresas concessionárias que exploram poços de óleo e gás. Desses contratos, 1% se destina a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para a área de petróleo e gás.
Entre 2016 e 2022, mais de 2.500 projetos foram contemplados, envolvendo cerca de R$ 10 bilhões e 94 instituições de pesquisa espalhadas por quase todos os estados da federação. Desde 1998 a área de petróleo e gás usufrui dos resultados desses projetos; sem eles, o Brasil não teria elevado a produção de 866 mil de barris/dia, em 1997, para os atuais 3 milhões de barris/dia. O valor despendido em PD&I pelas concessionárias em 22 anos equivale, atualmente, à produção brasileira de petróleo de 20 dias.
Se já havíamos aprendido a transformar riqueza em conhecimento, esses investimentos mostram que aprendemos também a fazer o caminho inverso: transformar conhecimento em riqueza. Se a MP 1.112/22 não for derrubada pelo Congresso Nacional, o Brasil sucateará uma espetacular rede de financiamento à PD&I, com potenciais gigantescos de inserir o país na economia de baixo carbono.
A segunda ação destruidora, do final de maio, é o bloqueio de R$ 2,5 bilhões (55%) do total dos recursos previstos para este ano do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (R$ 4,5 bilhões).
O FNDCT é a maior fonte de financiamento da ciência brasileira. O bloqueio afetará centenas de projetos de pesquisa e programas especiais e estratégicos para o Brasil; entre eles, a título de exemplo, a construção do reator multipropósito. O equipamento atenderá a demanda do país em radiofármacos e produção de medicamento para combate ao câncer.
O que levou décadas para a sociedade brasileira construir está sendo desmontado com elevada rapidez, incompreensível antipatriotismo e irracional motivação ideológica.
* Fábio Guedes Gomes é professor de economia e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal); secretário-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP.Br)