Está prestes a ser votada na Câmara Federal a Medida Provisória 1112, que pretende retirar recursos que vêm sendo utilizados na realização de pesquisas científicas e inovações tecnológicas nos setores de petróleo, gás e energias renováveis.
Desde 1998 os contratos para extração de petróleo estabelecem que, para cada campo a ser explorado, a empresa concessionária deve destinar 1% da receita bruta para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) que beneficiem o próprio setor.
O governo federal quer que esses recursos, R$ 3 bilhões em 2021, passem a ter outra finalidade: “promover a atividade de desmonte ou de destruição como sucata dos veículos pesados em fim de vida útil”.
É o que consta na Medida Provisória 1.112/22 ao instituir o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País – Renovar. Na fase inicial do programa, segundo o Ministério da Economia, a intenção é beneficiar caminhoneiros cujos veículos tenham mais de 30 anos de uso. Em 2020 eram 854 mil caminhões nessas condições, conforme dados do Denatran. A “MP da sucata”, como vem sendo chamada na área científica, está no Congresso Nacional e deverá ser votada nos próximos dias.
“Essa MP será uma catástrofe imediata para o setor de gás e petróleo e um prejuízo de longo prazo para o Brasil”, acentua o secretário executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP.Br), Fábio Guedes Gomes. Também professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas, Guedes enfatiza que “os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação possibilitaram que a produção de petróleo no Brasil saltasse de 866 mil barris/dia em 1997 para 3 milhões de barris/dia atualmente, e também ajudaram na descoberta e na exploração do pré-sal”.
Os contratos de concessão determinam que do valor resultante do 1% da receita bruta de cada campo de petróleo, 30% a 40% sejam investidos em instituições de pesquisa, os mesmos percentuais em empresas brasileiras e os valores remanescentes em laboratórios da própria concessionária.
Entre os anos 1999 e 2021, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Petrobras destinou R$ 22,3 bilhões para projetos de pesquisa. Somando com as outras 15 empresas que exploram campos de petróleo no Brasil, em valores atualizados são R$ 26,2 bilhões. Com o barril de petróleo hoje a R$ 560,00 e a produção brasileira diária de 3 milhões de barris (R$ 1,680 bilhão/dia), a receita de 16 dias compensa os R$ 26,2 bilhões investidos em pesquisa durante 22 anos.
Participaram dos projetos cerca de 185 instituições de pesquisa, de 25 Estados e do Distrito Federal. As pesquisas são nas áreas de abastecimento, biocombustíveis, exploração e produção de petróleo, gás natural, outras fontes de energia, regulação do setor, e temas transversais. Um dos laboratórios que mais contribuíram para que o Brasil alcançasse a autossuficiência em petróleo é o Tanque Oceânico construído em 2002 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o quarto maior do mundo.
Somente em 2021, os recursos para pesquisa em petróleo, gás e energias renováveis somaram R$ 3,03 bilhões
– valor três vezes maior do que o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. No ano passado o CNPq dispôs de R$ 1,02 bilhão para financiar pesquisas e bolsas em todas as áreas do conhecimento e em todo o país.
FONTES RENOVÁVEIS – O secretário executivo da ICTPBr observa que os recursos das empresas não são
destinados somente para projetos de pesquisa na área de petróleo. “A MP da sucata vai retirar do Brasil a autonomia financeira de fomento numa das áreas em que somos muito competitivos e que pode dar uma enorme contribuição ao futuro do país com pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias para a superação da dependência dos combustíveis fósseis”.
No campo das energias renováveis, um exemplo citado por Guedes é o Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Instalado na USP, o RCGI tem atualmente 19 trabalhos de pesquisa em
andamento, como a utilização de gás natural na rede elétrica, a transformação de CO2 em combustíveis e o
aproveitamento de vinhaça para a produção de hidrogênio verde.
Guedes informa que os investimentos das empresas de óleo e gás em fontes renováveis estão aumentando.
Conforme dados da ANP, em 2018 foram financiados 42 projetos que demandaram R$ 80 milhões – 3,8% dosinvestimentos totais de R$ 2,1 bilhões naquele ano. Em 2021 foram financiados 50 projetos ao custo de R$ 131 milhões – aproximadamente 7% dos investimentos totais do ano (R$ 1,9 bilhão).
PERDAS E DANOS – Ao direcionar recursos para desmanche de caminhões velhos em vez do financiamento de projetos de pesquisa, a Medida Provisória 1112 promove uma quebra de contrato, o que pode ser visto como inconstitucional. O raciocínio é do engenheiro Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições do Ensino Superior (Confies), uma das entidades que compõem a ICTPBr.
Ele prevê também que “a MP repercutirá negativamente no Exterior, onde o ambiente legal é mais sólido e a intenção do governo brasileiro será vista como uma aventura eleitoreira”.
“A comunidade científica precisa sensibilizar os deputados e senadores de seu Estado a retirarem da MP 1112 a parte referente ao pagamento de desmanche de caminhos velhos com recursos para P,D&I”, conclama Guedes. “Renovar a frota de caminhões velhos é uma iniciativa elogiável, mas usar recursos da ciência para isso é um enorme contrassenso”.
Ao representar oito entidades da área de ciência e tecnologia, a ICTP.Br está em contato permanente com parlamentares federais. Essas entidades são: Academia Brasileira de Ciências (ABC); Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap); Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies); Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif); Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti); Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas & Sustentáveis (Ibrachics); Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)