Artigo na Folha de S. Paulo: Da ciência básica ao desenvolvimento tecnológico

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Fábio Guedes Gomes, diretorpresidente da Fapeal (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas) e secretário executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro.

Os países que alcançaram a maturidade no desenvolvimento econômico e se firmaram no grupo hegemônico de poder internacional no século 20 não fizeram esse caminho sem um longo período de investimento em conhecimento científico. É responsabilidade da ciência desafiar a si mesma, compreendendo os fenômenos que cercam a sociedade e a natureza. Dessa forma uma nação consegue superar grandes dilemas ou problemas, se mostrando mais preparada diante de seus concorrentes no plano da competição intercapitalista.

Sem investimentos em ciência básica um país não conta com os conhecimentos que possibilitem a superação de desafios impostos pela dinâmica da natureza, da sociedade e da economia. Nesse sentido, ficam visíveis os desdobramentos que o desenvolvimento da ciência básica promove sobre as possibilidades de progresso das ciências aplicadas e avanços tecnológicos. O desenvolvimento econômico e o domínio tecnológico da Alemanha, por exemplo, têm relação direta com o conhecimento acumulado em setores como química, engenharia de motores, componentes elétricos e processos.

Os sucessivos contingenciamentos orçamentários e cortes financeiros da ciência brasileira, a partir de 2015, além de afetar a produção do conhecimento nacional e desmantelar sua estrutura – universidades e centros de pesquisa –, prejudicam o desenvolvimento tecnológico e empresarial, contribuindo com a baixa produtividade do país. A recente tentativa do governo federal em remanejar os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico interromperia programas públicos promissores de fomento à criação de empresas de base tecnológica e inovação industrial, como o Centelha, o Tecnova e os projetos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial. Esses programas e estratégias têm o potencial de alimentar a cultura do empreendedorismo tecnológico e conectar o conhecimento técnico-científico produzido nas instituições universitárias e centros de pesquisa e desenvolvimento aos problemas de empresas e mercados.

Duas áreas, entre outras, se beneficiaram do alinhamento entre ciência básica e progresso tecnológica no Brasil: saúde e agricultura tropical. Na década de 1970, os estudos sobre a fixação biológica de nitrogênio, liderados pela pesquisadora Johanna Döbereiner na Embrapa, revolucionaram a produção agrícola brasileira. Nos anos 1990, a produção de insulina humana injetável a partir da insulina de porco, pela empresa Biobrás e com o apoio de bioquímicos da UFMG, coordenados pelos pesquisadores Marcos Luiz dos Mares Guia e Lewis Greens, revolucionou o tratamento da diabetes. Na mesma década, realizou-se pela primeira vez o sequenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa, causadora de uma temida praga nos laranjais, dentro do Projeto Genoma-Fapesp, abrindo largas possibilidades à área de biologia molecular.

Exemplos como esses, associando grandes desafios, ciência, tecnologia e inovação, apontam para a importância e a necessidade de contarmos com a sensibilidade de lideranças políticas, gestores públicos e parlamentares na defesa dos investimentos na ciência do país e em sua infraestrutura de pesquisa.

Fonte: Folha de S. Paulo

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