“Sem dinheiro, MCTI deve cortar projetos”, reportagem do Valor Econômico

Sem dinheiro, MCTI deve cortar projetos

Orçamento menor e impasse na liberação do FNDCT ameaçam pesquisa e bolsas de estudo

O ministro Marcos Pontes busca saídas para recompor os recursos de sua pasta. Na última sexta-feira, ao sancionar a Lei Orçamentária Anual (LOA-2021), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou a redução de 31,7% no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), quando comparadas as propostas de 2020 e 2021. Nas tabelas apresentadas, o MCTI poderá contar com R$ 8,07 bilhões. 

Outros R$ 2,31 bilhões podem ser liberados durante o ano, mas estão condicionados à aprovação de crédito suplementar ou especial. “Vou reunir a equipe para avaliar o cenário e definir quais programas serão cortados. Vamos falar também com o setor produtivo, que tem projetos financiados pelo ministério”, disse Pontes no sábado (24), em live nas redes sociais. 

A redução do orçamento inquieta Pontes há tempos. Ele tem se movimentado em Brasília, buscando apoio parlamentar para “proteger” os investimentos em ciência e tecnologia. Em reunião da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, em 7 de abril, expôs os golpes sofridos no orçamento do MCTI e defendeu parceria entre os poderes para garantir a continuidade de programas. “As atividades dependem, logicamente, de orçamento. Dependem da liberação efetiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).” 

Pontes deixou claro que a situação é crítica. Com orçamento abaixo do necessário, ele está preocupado com o pagamento de bolsas de estudos e com a manutenção básica das 28 unidades de pesquisa vinculadas ao MCTI. “Se não tiver dinheiro, vou precisar reduzir as bolsas de pesquisa, o que será uma facada para mim”, assumiu. 

Também demonstrou apreensão com a falta de capacidade para garantir o andamento de projetos em áreas como saúde, defesa e agricultura. A escassez de recursos pode inviabilizar, por exemplo, o desenvolvimento de vacinas.

A saída, disse aos parlamentares, está na liberação dos recursos do FNDCT, um colchão estimado em mais de R$ 5 bilhões para o exercício de 2021. Em janeiro, o FNDCT teve as regras de funcionamento modificadas pela lei 177/2021. A lei alterou a característica do fundo de contábil para contábil e financeiro, demanda antiga da comunidade científica. Fernanda De Negri, pesquisadora do Ipea, explica que a mudança permite que o dinheiro não usado durante o ano e os recursos provenientes de operações de crédito retornem ao fundo. Ou seja, não serão devolvidos à União. 

Essa forma de operar traz estabilidade ao FNDCT, tornando possível a reaplicação dos recebidos em novos contratos ou em ações de investimentos a fundo perdido. Outra conquista comemorada pela comunidade científica é a proibição de o FNDCT ser alocado como reserva de contingência – o que tem acontecido sistematicamente. 

A questão está em quando o dinheiro do fund conseguirá socorrer a ciência brasileira. Aprovada pela Câmara e Senado, a lei seguiu para sanção no Planalto. No início de março, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei, mas vetou o dispositivo que impede o contingenciamento. A grita foi geral. Entidades científicas, empresariais e acadêmicas se uniram para reverter a situação. Conseguiram. Em 17 de março, o Congresso derrubou o veto que permitia a alocação dos recursos em reserva de contingência. “Agora temos de nos articular para que a totalidade dos recursos esteja disponível para o sistema de inovação, abastecendo os cofres de entidades como Finep e Embrapii”, diz Gianna Sagazio, diretora de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

Segundo Pontes, as datas se desencontraram. Quando houve a publicação da derrubada do veto, a Lei Orçamentária Anual (LOA-2021) já havia sido aprovada no Congresso. Nela, 90% dos recursos do FNDCT estão contingenciados – deixando cerca de R$ 500 milhões disponíveis. O ministro e as entidades ligadas à ciência, tecnologia e inovação esperam a solução do imbróglio. No dia 14 de abril, oito entidades – entre elas a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – enviaram carta aberta ao Congresso Nacional e ao ministro pedindo a liberação integral dos recursos do FNDCT. Elas defendem o cumprimento imediato da lei. 

Já o ministro propôs, em sua apresentação na Câmara, a liberação de parte dos recursos que estão contingenciados. A estratégia era que o Congresso apoiasse um ajuste na LOA-2021 para incorporar R$ 1 bilhão do fundo ao orçamento. “Outros R$ 2,5 bilhões podem ser liberados por meio de projeto de lei”, argumentou. Assim, ele esperava garantir o mínimo necessário para equilibrar as contas do ministério. Com a LOA-2021 sancionada, o terreno para negociações tornou-se mais árido e Pontes avalia a descontinuidade de programas. 

Gianna espera que os parlamentares entendam a importância da liberação total dos recursos e pressionem o governo. “Os investimentos em projetos de inovação são essenciais para o enfrentamento da covid-19 e reestruturação econômica do país. Não dá para esperar mais um ano”, diz. Para ela, é preciso ampliar as linhas de crédito e os investimentos a fundo perdido para os projetos empresariais de inovação, garantindo a continuidade de estratégias anticíclicas. 

Fonte: Valor Econômico 

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