A ciência voltou a ser importante no Brasil, comemora a pesquisadora Helena Nader.
A cientista defende um pacto entre governo, empresários e universidades para elevar o nível da pesquisa no País – Imagem: Cristina Lacerda e Luara Baggi/MCTI
Presidente da Academia Brasileira de Ciência, Helena Nader faz um balanço positivo do primeiro ano de governo Lula. A cientista e professora afirma, porém, que a recomposição dos investimentos nos últimos 12 meses é insuficiente e sugere maior entre os poderes da República, o setor privado e a comunidade científica. O objetivo? Equiparar o Brasil às nações desenvolvidas na busca por soluções tecnológicas avançadas Prestes a ser anfitriã do encontro do S-20, grupo que reúne as academias de ciências dos países do G-20, Nader fala do papel do brasileiro na comunidade científica internacional e das nossas potencialidades.
Em 2022, a produção científica brasileira caiu. Após quatro anos de desmonte, era um resultado esperado?
Helena Nader: É o efeito daquilo que experimentamos nos últimos anos. Consequência não só da falta de investimento, mas do bombardeio à ciência e da falta de postura ética em relação aos jovens que gostam de ciência e viriam para essa área. A descrença, as fake news, tudo em conjunto levou a essa queda, a maior entre todos os países avaliados e só equiparada àquela da Ucrânia, que está em guerra.
Qual o balanço do primeiro ano do governo Lula?
HN: Poderia ter feito mais, sim. Mas o fato de a comunidade científica ter com quem dialogar de uma forma mais transparente e a valorização do jovem com a correção das bolsas são um sinal de que a ciência é novamente importante para o Brasil. As diversas bolsas estavam sem aumento há mais de dez anos e houve essa correção logo no início do governo, mas é preciso mais. É preciso ter o entendimento de que para esses cientistas a bolsa é um salário profissional, não um auxílio como o Bolsa Família. São formados que estão se qualificando para produzir mais ciência, tecnologia e inovação.
“Não temos mais tempo para pensar no que queremos ser quando crescer. Não somos mais um país jovem”.
A recomposição do FNDCT e a execução orçamentária da Finep, estimada em 10 bilhões de reais, surtiram efeito?
HN: Na reunião do conselho do FNDCT deste mês ficou evidente que o governo conseguiu empenhar 100% dos recursos, e essa recuperação integral é uma vitória. Mas podemos melhorar. O comitê de coordenação do fundo e o MCTI levaram à equipe econômica do governo a proposta para a repartição de 35% para investimentos reembolsáveis e 65% para não reembolsáveis, mas não foi possível estabelecer essa divisão. É uma luta que continuará em 2024, pois ciência não é gasto, é investimento. É isso que as nações desenvolvidas praticam cada vez mais. Temos, hoje, um fundo como nunca tivemos antes, ele está descontingenciado, mas ainda é pouco se o Brasil quer de fato ser líder e estar entre os países que jogam bola no G-7. Estes investem pesado em ciência, tecnologia, inovação e educação.
Como travar essa discussão na sociedade?
HN: Em 2024, acontecerá a V Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Também é extremamente importante a retomada do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Ele é presidido pelo presidente da República, mas deixou de existir durante o desgoverno de Bolsonaro, que jamais reuniu o colegiado. Precisa haver essa reunião para que possamos levar nossas pautas como sociedade civil. Na conferência, temos de aproveitar o momento em que existe um diálogo importante entre a ciência, a sociedade civil e o empresariado. Não são todos os empresários que querem investir em ciência, mas aqueles que querem dialogam conosco.
O Brasil tem vantagem comparativa no setor de energia – Imagem: iStockphoto
De que forma o setor de ciência e tecnologia pode contribuir para a “neoindustrialização”?
HN: Não gosto do prefixo “neo”, mas sou favorável ao projeto. E o Brasil precisa entender que não existe um país que primeiro se industrializou para só depois investir em ciência ou cuidar da educação. Há a necessidade de se determinarem áreas, é preciso ver onde estão as maiores capacidades e onde dá para competir no mundo globalizado. Segurança alimentar e segurança hídrica, por exemplo, são duas áreas nas quais o Brasil é fronteira, mas é preciso investir, porque os outros países estão investindo. Sem ciência, o agronegócio brasileiro não vai andar para a frente porque o mundo estará de olho para saber se a gente desmatou para gerar aquele alimento ou qual quantidade de água usamos para aquela irrigação.
O governo fala em transição ecológica. A ciência brasileira está apta a responder às novas necessidades ambientais?
HN: O Brasil foi o primeiro país a ter uma fonte de energia renovável usada como combustível. Desenvolvemos, na fase de indústria, o álcool de segunda geração, assim como as fazendas solares e a energia eólica. Temos muitas coisas que valem a pena e devem continuar. Quantos ônibus e caminhões movidos com energias renováveis o Brasil tem? Toda vez que chego em São Paulo e vejo aquele pretume a sair dos canos de descarga, me pergunto onde está a tecnologia. Não adianta falar em bioeconomia sem olhar o ambiente e a comunidade no entorno. O Brasil é vanguarda, mas parece que, às vezes, se esquece disso. Assusta ver que entre as dez maiores empresas do Brasil está a Ambev, cinco ou seis bancos e algumas empresas do setor de saúde. Onde está a ciência? Chegamos a ter 34% do PIB dependente da indústria, e hoje é 11%. Não temos mais tempo para pensar no que queremos ser quando crescer. Não somos mais um país jovem. A população está envelhecendo e vai precisar de soluções, e os jovens têm de estar conectados ao século XXI, a educação tem de ser atual. Como a nossa sociedade estará daqui a dez anos?
Em 2023, o Brasil voltou a figurar entre as 50 economias mais inovadoras. O que contribuiu para o resultado?
HN: Em primeiro lugar, o trabalho de coletar dados, coisa que o Brasil não fazia da maneira correta, e um esforço por parte da Indústria de dialogar e entender como se faz o Global Innovation Index. O Brasil continua a ser reprovado pela dificuldade de abrir ou fechar negócios e pela dificuldade de relação entre a universidade e a empresa. Embora tenhamos a Emenda Constitucional 85 e a Lei 13.243, nós na universidade somos reféns da interpretação de procuradores, o que impede que essa parceria vá em frente. Tudo isso influencia no ranking. Ou o País junta os três poderes para dizer “isso é relevante e nós vamos fazer” ou vai andar para trás.
“Os três poderes são relevantes se quisermos ter de fato uma ciência e uma economia pujantes”
As coisas não dependem só do Executivo.
HN: Temos de olhar também o Legislativo. Poderíamos estar com muito mais recursos se a Câmara não tivesse voltado as costas à ciência. Todos os ministérios que têm envolvimento com o tema estariam fora do chamado teto de gastos, isso foi aprovado no Senado, mas a Câmara derrubou, votou contra o próprio País. Foi triste, porque é muito pouco recurso, mas para a área teria um impacto muito grande. Os três poderes são relevantes se quisermos ter de fato uma ciência e uma economia pujantes. O Judiciário tem de seguir o que está escrito na lei, não pode haver uma interpretação para A e outra interpretação para B, é preciso regulamentação. E também um arcabouço de diálogo entre todas as unidades da federação.
O Brasil tem recuperado sua imagem em diversas frentes internacionais. Isso também aconteceu no mundo científico? Qual a avaliação sobre a participação brasileira na Cúpula do S-20 na Índia?
HN: Apesar de tudo que aconteceu nos últimos quatro anos, a comunidade acadêmico-científica continuou a acreditar na ciência brasileira. O S-20 não é um movimento de Estado, e é muito importante que esteja no fluxo da sociedade civil para que não se limite a discussão. Sem ouvir a sociedade civil fica difícil tomar rumos. Uma coisa é escrever um belo documento e outra é ele ser abraçado. O Brasil será sede do S-20 em 2024 e teremos eixos de discussão que vão do combate à pobreza à inteligência artificial. Vamos enviar aos países que integram o grupo textos com tudo aquilo que foi discutido nos grupos de trabalho temáticos da ABC. A ideia é que cada país faça um brainstorm em sua academia de ciências para que possamos chegar a um bom texto final.
A agricultura também precisa de ciência e tecnologia – Imagem: Rodolfo Perdigão/GOVMT
Energia está na agenda?
HN: Discutiremos quais os modelos de transição energética e como atingi-los, guardadas as diferenças entre os países. Na COP-28, o Brasil mostrou que quer fazer a defesa da floresta, que significa energia sustentável, mas também entrou para a Opep+. Não acho que o governo esteja errado, pois a transição, como o nome diz, não se resolve hoje, é algo que está em curso. Algumas coisas a gente pode fazer mais rápido, outras nem tanto, mas em nenhuma hipótese se deve esquecer da ciência. Se o Brasil for de fato explorar petróleo na Margem Equatorial, tem de olhar o que a ciência diz e quais os modelos a serem adotados. A ciência tem como ajudar.
Os cientistas estão entre os profissionais que gozam de maior credibilidade no País. Isso a surpreende?
HN: Fico lisonjeada. Estamos no caminho certo ao mostrar para a sociedade o valor da ciência. Agora temos de convencer uma parte da sociedade, pequena, mas que decide os investimentos. Para esses que colocaram a ciência como extremamente relevante, agradeço de verdade, mas digo também que prestem atenção quando forem votar para vereador, deputado e senador. Ao votar, veja bem se o que o seu candidato vai fazer é o que você quer para o Brasil. Eles vão decidir se a ciência vai ser importante para o desenvolvimento social sustentável do País.