Ciência tem 44% do maior fundo de financiamento bloqueados; setor ainda perde em outras frentes

Levantamento do Confies aponta que pelo menos 52 projetos que serão altamente prejudicados com esses bloqueios; ministério promete liberação de valores

Por Bruno Alfano — Rio

Ao mesmo tempo que corta o orçamento para a Ciência, o governo dificulta universidades públicas de captarem financiamento para pesquisa e trabalha para tirar recursos do pré-sal que atualmente vão para as instituições. Com isso, projetos importantes, como estudos sobre a Amazônia, não sabem como chegarão ao fim do ano e áreas estratégicas poderão ficar sem dinheiro do principal fundo de financiamento à pesquisa do país, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Em maio, o governo federal oficializou um bloqueio de R$ 1,8 bilhão no orçamento da Ciência, Tecnologia e Inovação. Pouco tempo depois, anunciou que esse valor subiria para R$ 2,5 bi, o que deve ser decretado em julho. De acordo com nota da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), esse movimento se deu para diminuir o corte de outros ministérios.

“O corte em si é ultrajante e coloca em risco todo o sistema de pesquisa científica e tecnológica do País. Mas além disso, revela que a ciência se tornou alvo preferencial do governo federal, impondo ao setor uma restrição orçamentária sem paralelo no Poder Executivo. De acordo com os dados divulgados pela equipe econômica, todas as pastas afetadas pelo bloqueio tiveram seus cortes orçamentários reduzidos, transferindo a carga para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação”, diz a nota.

Todo esse valor deve ser retirado do FNDCT, dinheiro arrecadado de impostos destinado especificamente para pesquisa. Ele cairá de R$ 4,5 bi para R$ 2 bi, o que significa 44,76% menos recursos do que o orçamento efetivado em 2021.

Segundo a SBPC, fundos setoriais, que compõe o FNDCT, como o CT-Mineral, o CT-Transportes, CT-Biotecnologia, CTInfo, CT-Amazônia e CT-Aquaviário podem ficar completamente sem verbas, impedindo a realização de qualquer projeto de pesquisa e desenvolvimento nestas áreas no segundo semestre de 2022.

Com isso, levantamento do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) aponta pelo menos 52 projetos que serão altamente prejudicados com esses bloqueios. Entre eles, estão os programas Ciência no Mar e Ciência Antártica, além de pesquisas em bioinformática; mitigação de mudanças climáticas; nutrição e defensivos agrícolas sustentáveis; Covid-19; hidrogênio verde; e até em nióbio, mineral que é o xodó do presidente Bolsonaro.

Especialistas apontam que, por conta de uma lei do ano passado que proíbe o contingenciamento do fundo, essa forma de bloqueio foi uma maneira que o governo encontrou para liberar orçamento abaixo do teto de gastos. Na avaliação da SBPC, o governo burla a lei com uma questão semântica. Em vez de contingenciamento, chama de “bloqueio”. Ao setor, representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação têm dito que o dinheiro será liberado integralmente à medida que as pesquisas precisarem. Procurada, a pasta não respondeu os questionamentos da reportagem.

— Se não for liberado, esse dinheiro já começa a fazer falta nos próximos meses. O problema é que a credibilidade do governo é muito baixa — afirma Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ e ex-presidente da Finep — No ano passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro demorou para sancionar a lei que impedia contingenciamento no fundo e isso fez com que a lei só valesse a partir de 2022. A comunidade científica sentiu que isso foi uma traição e tem todos os motivos para ficar com o pé atrás.

Além disso, outras fontes de financiamento têm sido estranguladas pelo governo federal, na avaliação do setor. Outro levantamento do Confies mostra que tem ganhado corpo entre as fundações o interesse em fundos patrimoniais. Criada no Brasil em 2016, essa é uma modalidade muito difundida nos EUA e consiste no recebimento de doações em que apenas o rendimento é utilizado para financiar projetos de pesquisa.

— Nesse modelo, uma fundação ou associação civil faz o papel de recepcionar os recursos doados, gerir com regras caprichadas e aportar por convênio na universidade apoiada. E o doador tem a possibilidade de apontar como ele deve ser utilizado — afirma Fernando Peregrino, presidente do Confies.

Até agora já foram criados 10 fundos patrimoniais no país, de acordo com a pesquisa do Confies. Além disso, 76% de 50 fundações ouvidas pelo levantamento já iniciaram o processo para criar os seus. No entanto, a falta de incentivos fiscais dificulta a arrecadação. Por isso, na avaliação do estudo, somente 5% dos fundos receberam doação de recursos privados.

— O governo não dá o dinheiro e e não deixa a gente captar. O calculo que se faz é que o ganho é de seis vezes o valor que não foi arrecadado pelo incentivo fiscal — diz.

Renovação de frota

Além dos bloqueios e das dificuldades de arrecadação em fundos patrimoniais, o setor também tem lutado para manter os recursos que as empresas de exploração e produção de petróleo e gás natural são obrigadas por lei a destinar a pesquisa de desenvolvimento e de inovação. Este ano, com o aumento no preço das commodities, esses recursos são da ordem de R$ 3 bilhões, segundo estimam fontes da comunidade científica.

No entanto, os projetos de pesquisa podem perder R$ 1 bilhão desse dinheiro, só em 2022, que seria encaminhado para um programa federal, instituído por uma medida provisória de Bolsonaro, de renovação de frota de caminhões. A proposta do governo é que esses recursos sejam compartilhados pelo menos até 2027. O Congresso ainda precisa analisar a MP.

— Esse é um dinheiro sagrado que proporcionou o Brasil a explorar petróleo a três mil metros de profundidade e tornar o país autossuficiente na década passada. Não pode ser retirado da área — protesta Peregrino.

Um levantamento de maio do Observatório do Conhecimento com a Frente Parlamentar Mista da Educação mostrou que os seguidos cortes, desde 2014, no orçamento na Ciência e Tecnologia já tiraram da área quase R$ 100 bilhões até este ano.

Fonte: O Globo

Na Folha de S. Paulo, artigo “A destruição do sistema de saber brasileiro”

Célere, desmonte evidencia antipatriotismo e irracional motivação ideológica

Por Fábio Guedes Gomes*

Desde o seu início, o mandato de Jair Bolsonaro (PL) acumula desfeitos contra a ciência brasileira: orçamentos anuais exíguos, negação de recursos mesmo para demandas especiais, como o desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus, e desprezo com a comunidade científica.

Nos meses de abril e maio, contudo, o governo desferiu duros golpes no sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, que reúne instituições de pesquisa públicas e privadas e empresas inovadoras —aquelas que desenvolvem produtos e serviços de maior valor agregado.

Há dois exemplos em curso do movimento de destruição do sistema de saber do país pela administração Bolsonaro.

Um, do início de abril, a edição da medida provisória 1.112/2022, ao criar o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País, que visa retirar de circulação de veículos de carga com mais de 30 anos de uso. A medida é até meritória. O problema reside no fato de o governo querer financiar o programa com recursos oriundos de contratos entre a Agência Nacional de Petróleo e as empresas concessionárias que exploram poços de óleo e gás. Desses contratos, 1% se destina a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para a área de petróleo e gás.

Entre 2016 e 2022, mais de 2.500 projetos foram contemplados, envolvendo cerca de R$ 10 bilhões e 94 instituições de pesquisa espalhadas por quase todos os estados da federação. Desde 1998 a área de petróleo e gás usufrui dos resultados desses projetos; sem eles, o Brasil não teria elevado a produção de 866 mil de barris/dia, em 1997, para os atuais 3 milhões de barris/dia. O valor despendido em ​PD&I pelas concessionárias em 22 anos equivale, atualmente, à produção brasileira de petróleo de 20 dias.

Se já havíamos aprendido a transformar riqueza em conhecimento, esses investimentos mostram que aprendemos também a fazer o caminho inverso: transformar conhecimento em riqueza. Se a MP 1.112/22 não for derrubada pelo Congresso Nacional, o Brasil sucateará uma espetacular rede de financiamento à PD&I, com potenciais gigantescos de inserir o país na economia de baixo carbono.

A segunda ação destruidora, do final de maio, é o bloqueio de R$ 2,5 bilhões (55%) do total dos recursos previstos para este ano do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (R$ 4,5 bilhões).

O FNDCT é a maior fonte de financiamento da ciência brasileira. O bloqueio afetará centenas de projetos de pesquisa e programas especiais e estratégicos para o Brasil; entre eles, a título de exemplo, a construção do reator multipropósito. O equipamento atenderá a demanda do país em radiofármacos e produção de medicamento para combate ao câncer.

O que levou décadas para a sociedade brasileira construir está sendo desmontado com elevada rapidez, incompreensível antipatriotismo e irracional motivação ideológica.

* Fábio Guedes Gomes é professor de economia e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal); secretário-executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento Brasileiro (ICTP.Br)

Campanha “Não aos cortes em Educação e Ciência”

As entidades científicas e acadêmicas que compõem a Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) convidam toda a comunidade científica, acadêmica e tecnológica para realizar atividades – presenciais e/ou virtuais – no Dia Nacional de “Não aos cortes em Educação e Ciência”. Programado para acontecer em 21 de junho, o foco central da manifestação serão os cortes anunciados pelo governo para ciência, educação, cultura, saúde, meio ambiente e inclusão social, áreas decisivas para o futuro do Brasil.

Veja aqui a convocação

Baixe os cards: com logo da SBPC | sem logo da SBPC

Confira a programação:

SBF na mobilização pela Ciência e pela Educação (SBF). Assista aquiCard de divulgação

08h às 10h – Live da Rede Lepel e Gepec “Não aos Cortes em Educação e Ciência”. Coordenação: Joelma Albuquerque (UFAL), Cassia Hack (UNIFAP) e Celi Taffarel (UFAL/UFBA)

08h30 – “Contexto do financiamento da educação e da ciência no Brasil” (ABA). Palestrante: Gregório Grisa (IFRS). Mediador: Guillermo Vega Sanabria (UFBA). Assista aqui.

10h –  “ANPOLL na mobilização pela Ciência e pela Educação”. Coordenação: Ana Crélia Dias (UFRJ/ANPOLL). Participantes: Alice Casimiro Lopes (UERJ/FAPERJ), Dani Balbi (SEE-RJ/ALERJ). Assista aqui.

14h às 16h – Ato central “A responsabilidade da Economia nos cortes em Ciência e Educação: A meta é desenvolver ou subdesenvolver?”. Assista aqui.

16h – Debates REMIR-ABET “Não aos cortes em Educação e Ciência” – Mediação: Paula Freitas (UNICAMP). Participantes: João Carlos Salles (UFBA), Graça Druck (UFBA) e Marcos Ferraz (UFPR). Assista aqui.

16h – Mesa-redonda “Ciência e Universidade na Atual Conjuntura Sociopolítica Nacional: Desafios e Estratégias Em Tempos de Bloqueios Orçamentários e Sucateamento das Instituições Federais”. Participantes: Inácio Arruda (Consecti), Fabio Guedes Gomes (ICTP.br), Antonio Gomes Souza Filho (UFC), Fernando Peregrino (Confies), Clovis Ricardo Montenegro de Lima (Ibict). Debatedores: Enio Pontes (PROIFES Federação) e Barbara Coelho (UFBA/GT de C&T da APUB). Assista aqui.

17h30 – Mesa-redonda “Não aos cortes em Educação e Ciência” (UFRN). Mediação: Maralice Freitas (jornalista). Participantes: José Daniel Diniz Melo (UFRN), representantes do Diretório Central do Estudantes (DCE), Sindicato dos Docentes da UFRN (Adurn), Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação de Ensino Superior (Sintest) e Associação dos Técnicos de Nível Superior (Atens). Assista aqui.

18h – “Não aos Cortes na Educação e Ciência: Mobilização da Marcha pela Ciência em São Paulo 2022″ (SBPC-SPI, Cientistas Engajados, APqC, Via Saber)

18h – “Não aos cortes em Educação e Ciência e Cultura” (ABEM/ABET/ANPPOM). Assista aqui.

18h – “Impactos dos cortes no financiamento em pesquisa para a produção científica na Bahia” (LAC-FMB-UFBA). Assista aqui.

18h – Ato conjunto: UFABC CONTRA CORTES. Presencial: Campus Santo André, piso vermelho. Card de divulgação

18h – Painel “Sem presente, sem Futuro: Educação e Ciência em Risco” (UFMG). Abertura: Apresentação de vídeo do Cedecom com pronunciamento da Reitora. Mediador: Fernando Reis (pró-reitor de Pesquisa da UFMG). Participantes: Natacha Rena (Escola de Arquitetura da UFMG), Lívia Pancrácio de Errico (Escola de Enfermagem da UFMG), Maria Fernanda Salcedo Repolês (Faculdade de Direito da UFMG), Francisco de Paula Antunes Lima (Escola de Engenharia da UFMG) e Marina de Lima Tavares (Faculdade de Educação da UFMG). Assista aqui.

18h – Painel “Educação e Ciência em Risco:  Essencialidade da Ciência para a Educação Básica” (UFMG). Abertura: Apresentação de vídeo do Cedecom com pronunciamento da Reitora. Mediadora: Viviane S. Alves (PROEX – UFMG). Participantes: Ana Cristina Ribeiro Vaz (Programa UFMG Jovem Conhecimento para todos), Cleida Aparecida de Oliveira (PROFBIO), Nilma Soares da Silva (COMFIC), Rúbia Santos Fonseca (Rede de Museus e Espaços de Ciências e Cultura da UFMG) e Santer Alvares de Matos (Febrat). Assista aqui.

19h – “NÃO aos cortes em Educação e Ciência em Minas Gerais” (APUBH/CNDE/MG/FEPEMG/FOMEJA/IFMG). Assista aqui.

Pesquisadores temem que aprovação de medida provisória reduza investimentos em pesquisa e inovação

Representantes de universidades federais e de servidores da carreira de ciência e tecnologia criticaram nesta quinta-feira (26) a Medida Provisória 1112/22 que, segundo eles, põe em risco o financiamento à pesquisa e inovação no País. Eles participaram de debate promovido pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.

A MP, que está em vigor desde abril, muda quatro leis com o objetivo de garantir recursos para o Renovar, uma iniciativa para substituir a frota de veículos antigos em circulação. Uma das mudanças ocorre na Lei do Petróleo, para autorizar as empresas de exploração e produção de petróleo e gás natural a aplicar recursos nas atividades de desmonte ou destruição de veículos pesados em fim de vida útil.

A preocupação levantada pelos debatedores é que, pela MP, os recursos aportados ao Renovar vão ser descontados dos que estas empresas serão obrigadas por lei a destinar a pesquisa de desenvolvimento e de inovação (PD&I), entre os anos de 2022 e 2027.

“Essa foi uma inteligência brasileira: você pode furar o meu petróleo, que é da União, mas você paga royalties para investimento em pesquisa. É sábia essa decisão. A MP propõe um desmonte de caminhões, mas na verdade, está desmontando o futuro do Brasil”, disse o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino.

Ele citou levantamento da Agencia Nacional de Petróleo (ANP), pelo qual, em 2021, foram destinados R$ 3 bilhões para a área de PD&I, o que correspondeu a contrapartida de 0,5% a 1% do faturamento da Petrobras e de petroleiras estrangeiras no período.

Peregrino alertou que a MP pode causar retrocesso na discussão de melhorias no financiamento de universidades públicas no Brasil. Ele informou que, só em 2020, 3 mil pesquisadores deixaram o País. “As alternativas para os que ficam ou é o desemprego, porque faltam bolsas para os pesquisadores, ou serviços de baixa especialização, como o de motorista de aplicativos, como o Uber”, disse.

Na análise da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que reúne 69 instituições, a MP é prejudicial sobretudo no atual contexto de restrição orçamentárias nas universidades federais, que, segundo informam, sofreram cortes por mais de cinco anos consecutivos.

Audiência Pública - Ameaça à destinação de recursos para pesquisa e inovação na MP 1112/22. Valder Steffen - Representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
Steffen: “Mais de 90% da pesquisa brasileira é realizada nas universidades públicas”Fonte: Agência Câmara de Notícias

Pesquisa sobre pré-sal
O representante da Andifes e reitor da Universidade Federal de Uberlândia, Valder Steffen, ressaltou a importância dos investimentos feitos pela Petrobras no campus universitário mineiro. “Temos dois prédios financiados pela Petrobras e o que tem dentro são muitos dólares por metro cúbico. São pesquisas sobre o pré-sal. Tudo construído com recursos da exploração de petróleo”, disse.

Steffen frisou que mais de 90% da pesquisa brasileira é realizada nas universidades públicas. “Desviar recursos para outras áreas não é aceitável”, reiterou.

Na mesma linha, o representante do Fórum Nacional das Entidades Representativas dos Servidores das Carreiras de Ciência e Tecnologia, Roberto Muniz, disse que a solução trazida pela MP é “paliativa”, além de ser prejudicial às conquistas já estabelecidas em PD&I por cientistas brasileiros.

Ele argumenta que a medida pode causar retrocesso na cadeia produtiva do petróleo, já que grande parte das pesquisas realizadas em universidades são direcionadas a inovações no setor. “Nós estamos deixando de investir em áreas prioritárias, que formam gente, que constroem infraestrutura, que geram soluções, para transformar caminhão em sucata”, disse.

Mais investimentos
Roberto Muniz sugeriu que a MP crie uma contrapartida de investimento em pesquisa e desenvolvimento para as montadoras beneficiadas pelo Renovar. “Por que não se pode prever que elas também deem a sua contribuição? Afinal, elas vão ser beneficiadas. Não estou dizendo que a gente tem de penalizar a indústria, mas ela, como beneficiária, porque ela vai vender mais, poderá contribuir”, defendeu.

Durante a reunião, a deputada Angela Amin (PP-SC) reforçou que a comissão vai buscar fontes de recursos necessários para o aumento do valor das bolsas e o fomento em PD&I. “Nós vamos acompanhar de perto todo esse desenrolar da discussão do orçamento da União para que nós possamos valorizar a importância da ciência e da pesquisa”, disse.

Reportagem – Emanuelle Brasil
Edição – Roberto Seabra

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Na luta contra a MP 1.112/2022 e para contribuir com a proposta de PL do SNCTI, ICTP.br cumpre agenda com parlamentares e participa de seminário de comemoração dos 70 anos do CNPq

Entidades representantes dos diversos segmentos da Ciência, Tecnologia e Inovação estiveram, na terça-feira, dia 26 de abril, em reunião com o líder da bancada do PSDB no Senado, o senador Izalci Lucas (PDSB-DF).

Na pauta, os temas da reformulação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, a Política Nacional de CT&I, a MPV nº 1.112/22, o PLN nº 5/2022 (PLDO/2023) e o FNDCT. Os presidentes das entidades ponderaram as dificuldades que o tema C&T têm enfrentado nos últimos anos e estão mobilizados para contribuir, efetivamente, com a elaboração da Proposta de reformulação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e com a Política Nacional de CT&I.

O senador Izalci apontou para necessidade de ampliar e reforçar o fomento às pesquisas que colaborem com as transformações que a sociedade brasileira tanto almeja; que segue comprometido com a pauta da Ciência e Tecnologia no Congresso Nacional, disponibilizando o seu gabinete e apoio técnico-político para proposições de interesse da área.

Estavam presentes na reunião: Fábio Guedes Gomes, secretário executivo da ICTP.Br; Luiz Davidovich, presidente da ABC; Fernando Peregrino, presidente do Confies; Odir Dellagostin, presidente do Confap; Hideraldo Luiz de Almeida, diretor do Ibrachics; e, André Luís Silva dos Santos, presidente da Fapema.

O secretário executivo da ICTP.Br, Fábio Guedes, visitou o gabinete do deputado Paulão (PT-AL). Na pauta a contextualização da atuação da Iniciativa no Congresso bem como a retomada de reuniões presencias com parlamentares, em Brasília, com mais frequência. O deputado se prontificou a disponibilizar espaços maiores e infraestrutura para realização dos encontros.

Seminário 70 Anos do CNPq 

O CNPq, vinculado ao MCTI, e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizaram ontem e hoje o Seminário 70 Anos do CNPq (1951-2021) – Passado, Presente e Futuro: Pensando e Transformando o Brasil.

O evento marcou o encerramento das atividades em referência aos 70 anos do Conselho, celebrados em 2021, e contará com a participação de importantes nomes da comunidade científica e gestores do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

Na programação, a Mesa 1 – O papel do CNPq no Sistema de CT&I, que teve a moderação de Evaldo Ferreira Vilela, presidente do CNPq, contou com a participação dos presidentes da ABC, Luiz Davidovich, e da SBPC, Renato Janine Ribeiro.

Na Mesa 2 – A visão das entidades de CT&I sobre o papel do CNPq no fomento à pesquisa, sob a moderação de Og Francisco Fonseca de Souza, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, a participação de Fernando Peregrino (presidente do Confies), Flavia Calé da Silva (presidente da ANPG), Marcos V. David (presidente da Andifes), Nivio Ziviani (Startup Kunumi e membro da ABC), Odir Dellagostin (presidente do Confap e membro da ABC), Rafael Pontes Lima (presidente do Consecti) e Robério Rodrigues Silva (presidente do Foprop).

Já nesta quarta-feira, 27 de abril, a Mesa 6 – O Futuro do CNPq, cuja moderação será de Carlos Alberto Pereira dos Santos, diretor de Engenharias, Ciências Exatas, Humanas e Sociais do CNPq, terá a participação de Evaldo Ferreira Vilela (presidente do CNPq), Fábio Guedes (secretário executivo da ICTP.Br), Helena B. Nader (vice-presidente da ABC), Paulo Artaxo (vice-presidente da SBPC) e Roberto Muniz (presidente da Associação dos Servidores do CNPq).

Fundo da ciência foi ‘asfixiado’ por manobras fiscais do governo federal, diz primeira mulher a presidir Academia Brasileira de Ciências

Por Gabriel Vasconcelos, Valor — Rio

Primeira mulher a assumir a Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 105 anos, a bioquímica Helena Nader, convidada da Live do Valor dessa quarta-feira (20), defende o investimento em ciência como política perene de Estado. Ela alerta ainda para fenômeno crescente no financiamento do setor nos últimos anos: a substituição progressiva do orçamento regular de instituições por repasses inconstantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT). Para piorar o cenário, afirma, a gestão desse fundo está asfixiada por manobras fiscais do governo federal.

“O Brasil investe muito pouco em ciência e educação. E o investimento na cadeia de educação, ciência básica e aplicada e inovação seguem sendo cortados. A inovação no Brasil está em 60º lugar entre 200 países. Entretanto, entre os 10 bancos mais rentáveis do mundo, quatro estão no Brasil”, compara ela, para sublinhar a disparidade das opções do Estado brasileiro.

https://valor.globo.com/videos/?video_id=10501279

“O Brasil não consegue ter a clara noção de que, sem educação e ciência, a economia e o emprego não vão florescer”. Nader cita pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo a qual o investimento em ciência básica será motor para a recuperação econômica no pós-pandemia.

Sobre o FNDCT, ela projeta que o instrumento deve arrecadar entre R$ 8 bilhões de R$ 8,5 bilhões este ano por meio dos 14 fundos setoriais que o irrigam. O Fundo foi criado para atuar de forma suplementar no fomento à inovação, mas tem sido a tábua de salvação de universidades, institutos federais e mesmo projetos no âmbito das Forças Armadas, o que traz instabilidade e disputa irracional por recursos para o setor, diz a pesquisadora e professora titular da Escola Paulista de Medicina, na Unifesp.

Após experimentar a pior execução orçamentária dos últimos dez anos — R$ 3,3 bilhões discricionários (livres de gastos com pessoal), dos quais somente R$ 2,1 bilhões foram executados —, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação(MCTI) teve sua dotação reajustada para R$ 6,9 bilhões no Orçamento de 2022. O montante geral previsto para a pasta e suas autarquias, que inclui a folha de pagamentos, é de R$ 9,9 bilhões. Mas nem o mais otimista dos cientistas tem razões para crer que esse montante será de fato aplicado este ano.

Os contingenciamentos, inaugurados ainda sob os governos do PT, se tornaram mais agressivos nas gestões Michel Temer (MDB) Jair Bolsonaro (PL). Esse ano a história deve se repetir, com um agravante: pelo menos metade do montante discricionário, cerca de R$ 3 bilhões, vem do FNDCT, que tem substituído os orçamentos próprios das instituições na linha do que é exposto por Nader.

O problema seria menor, disse a acadêmica, se o FNDCT já estivesse efetivamente livre de contingenciamentos, conforme previsto na Lei Complementar 177. A lei foi aprovada pelo Congresso ano passado, após intensa movimentação da ABC e outras entidades ligas à ciência, o que passa pelas Forças Armadas, com inserção no governo federal.

Mais do que impedir a retenção dos recursos, a regra transformou o instrumento em fundo financeiro, o que, na prática, proíbe o governo de verter recursos que sobram de um exercício para fazer superávit primário. Os valores agora ficam acumulados para execução futura.

Incide aí uma das manobras da equipe econômica apontadas por Nader. O governo federal conseguiu aprovar no Congresso emenda constitucional prorrogando os efeitos da lei que mudou as regras de utilização do FNDCT para 2024 — retroativamente a 2021, este ano e 2023 o contingenciamento segue autorizado.

Não bastasse, Nader sugere que o governo atua para inviabilizar recursos do fundo. Historicamente, o plano de investimentos do FNDCT divide seus recursos em empréstimos reembolsáveis a empresas e subvenção à iniciativa privada e instituições, quando não há obrigação de restituir o dinheiro. Em geral, a parcela voltada a empréstimos gira em torno de 15%, adequada à demanda de mercado.

Mas nesse ano, o Conselho Gestor do FNDCT, dominado pelo governo, impôs percentual de 50% nessa frente. Os recursos não devem ser requisitados pela iniciativa privada, ficando livres para recolhimento do Tesouro ao fim do ano.

Nader acrescenta que as custas da equalização dos juros rebaixados desses empréstimos vêm da outra metade do FNDCT, dedicada à subvenção, restringindo ainda mais esses repasses. Dessa forma, prevê, todo o tecido de ciência e tecnologia do país terá de dividir, na melhor das hipóteses, R$ 2 bilhões de um universo potencial de R$ 8 bilhões do FNDCT este ano.

“O cobertor é curto e ainda se disputa as migalhas”, diz ela, sobre a partilha do dinheiro entre universidades e seis organizações sociais (OS), como as que administram o acelerador de partículas Sirius e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

Nader lembra, ainda, que parte das dificuldades à boa gestão do FNDCT tem origem na diminuição da participação de entidades da sociedade civil, como a ABC e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em conselhos de decisão de políticas públicas logo no início do governo Bolsonaro. Assim como em outros fóruns, no do FNDCT, o governo passou a controlar a maior parte das cadeiras, impondo decisões favoráveis a seus interesses, como a política fiscal, em detrimento das demandas das áreas assistidas.

Fonte: Valor Econômico

O orçamento brasileiro na contramão do desenvolvimento científico e tecnológico

Bruno Moretti* e Édrio Nogueira**

A Emenda Constitucional nº 109 – EC 109/2021 foi aprovada em 2021, tendo por objetivo principal autorizar o pagamento do auxílio emergencial, fora das regras fiscais vigentes, tendo em vista o recrudescimento da pandemia naquele momento.

A EC 109 também trouxe mudanças estruturantes na Constituição, dispondo sobre a ativação dos gatilhos de contenção de despesas quando os entes federados ultrapassassem determinados indicadores fiscais. Diversos analistas apontaram que os gatilhos para a União não seriam acionáveis no curto prazo, de modo que o texto não reforçaria as políticas de austeridade fiscal em âmbito federal.

No entanto, a EC 109 trouxe outro dispositivo que vem gerando forte efeito sobre diversas políticas públicas. Trata-se da possibilidade de utilizar, até o final de 2023, o superávit financeiro das fontes de recursos dos fundos públicos do Poder Executivo, apurados ao final de cada exercício, para amortização da dívida pública. Antes da aprovação da emenda constitucional, receitas não utilizadas no âmbito de fundos públicos permaneciam vinculadas às respectivas finalidades legais.

Para compreender o alcance da medida, importa tratar das suas conexões com o Novo Regime Fiscal, instituído pela Emenda Constitucional nº 95 – EC 95/2016. O teto de gastos congela as despesas primárias da União por vinte anos. Como determinadas despesas seguem crescendo em termos reais, especialmente as previdenciárias, na prática, a EC 95 determina a redução real dos demais gastos, principalmente os discricionários.

Recentemente, mudanças constitucionais flexibilizaram o teto de gasto, alterando sua fórmula de cálculo e limitando o pagamento de precatórios. As alterações acresceram R$ 113 bilhões ao orçamento de 2022. Ainda assim, rubricas estratégicas ao país, como as vinculadas à ciência e tecnologia, à educação e à pesquisa, seguem em queda. Entre 2014 e 2021, o orçamento discricionário do CNPq teve queda real de 64%; o da CAPES, de 59%.

A redução de gastos do CNPq e da CAPES é um sintoma do regime fiscal restritivo, mas também das escolhas alocativas que reforçam despesas com baixo efeito multiplicador e redistributivo e subtraem qualidade do orçamento público. Reajustes a corporações específicas e o elevado valor das emendas de relator (cerca de R$ 33 bilhões em 2021 e 2022) são suficientes para ilustrar a tese.

O caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT é paradigmático. Criado em 1969, o fundo tem papel de destaque no financiamento de iniciativas estruturantes, relacionadas a áreas como meio ambiente, saúde e defesa. Entre 2016 e 2020, R$ 13 bilhões do FNDCT deixaram de ser executados, tendo em vista sua manutenção em reserva de contingência. A prática foi vedada pela Lei Complementar nº 177, de 2020. Contudo, em 2021, uma manobra autorizou o contingenciamento dos recursos do fundo, por meio de uma alteração à lei de diretrizes orçamentárias, abrindo espaço no orçamento a outros gastos.

Se a EC 95 reduz diversas despesas primárias e implica a inexecução de recursos vinculados a fundos públicos, a EC 109 assegura a desvinculação desses recursos, quando se convertem em superávit financeiro na Conta Única do Tesouro. Por exemplo, em 2021, R$ 22,5 bilhões do superávit da fonte 72 – Outras Contribuições Econômicas foram canalizados para a dívida pública. Segundo dados do Tesouro Nacional, em 2020, R$ 17,3 bilhões do superávit financeiro da referida fonte eram vinculados ao FNDCT.

Em 2021, não foram executados R$ 4,5 bilhões do FNDCT, relacionados à fonte 72. Tais recursos também poderão ser destinados para a dívida pública em 2022. As razões da baixa execução envolvem o contingenciamento do fundo (R$ 2,5 bilhões), como também o elevado teto de 50% para alocação dos recursos do FNDCT na modalidade reembolsável (não computada no teto de gasto) e voltada a empréstimos a empresas, para os quais há baixa demanda no atual contexto.

Desta forma, para os anos de 2021 e 2022, a expectativa é que quase R$ 22 bilhões sejam retirados do FNDCT como decorrência da EC 109apenas considerando a fonte 72. Uma vez convertidas em superávit financeiro, as receitas vinculadas à ciência e tecnologia são “descarimbadas” e utilizadas para pagamento da dívida pública, ainda que o Tesouro não enfrente restrições de liquidez atualmente.

Após a crise financeira de 2008 e a COVID-19, a literatura sobre regras fiscais vem avançando em direção à defesa de arranjos capazes de conferir maior flexibilidade à política fiscal e preservar investimentos estratégicos, envolvendo mudanças produtivas, tecnológicas, sociais e ambientais.

No entanto, o Brasil caminha na contramão do debate e da experiência internacionais. A combinação de regras rígidas, flexibilização fiscal seletiva e ênfase em gastos de baixa qualidade vem afetando, em particular, o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

O saldo do atual regime fiscal é a absorção no orçamento de demandas de grupos com acesso privilegiado aos fundos públicos, o corte de gastos estratégicos como os de ciência e tecnologia e a desvinculação de suas receitas em favor da ampliação da liquidez do Tesouro Nacional para a administração da dívida.

Como se pode vislumbrar, não se trata apenas de um obstáculo fiscal, mas de um regime que esvazia a capacidade estatal de construção de um futuro próspero e inclusivo, drenando recursos para atender a pressões financeiras, corporativistas, eleitorais e, por vezes, clientelistas.

A captura do orçamento público é notória. É urgente reformá-lo, reconectando-o aos desafios estruturais da sociedade brasileira, especialmente os relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação.

Resposta da Capes 

Após a publicação do artigo, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) entrou em contato com o Congresso em Foco solicitando direito de resposta.

Leia abaixo o posicionamento da instituiçãos aos pontos levantados no artigo de Bruno Moretti e Édrio Nogueira:

Em relação ao artigo “O orçamento brasileiro na contramão do desenvolvimento científico e tecnológico”, a CAPES informa que o orçamento inicial de 2022 da Fundação é maior do que o de 2021. Subiu para R$ 3,8 bilhões contra R$ 3,01 bilhões no ano passado, um aumento de 27%. Além disso, o número de bolsas de mestrado e doutorado concedidas por meio de programas institucionais subiu de 80.272, em 2020, para 84.336 em março de 2022. 

A CAPES tem ampliado o apoio à pesquisa e formação de profissionais e pesquisadores. Como exemplos, os programas de combate à Covid, de desenvolvimento da pós-graduação nos estados, na Amazônia Legal, na região do semiárido, e de pós-doutorado. Na área internacional, um exemplo de ação é a publicação do edital para a concessão de 1.400 bolsas de doutorado-sanduíche no exterior. 

Fonte: Congresso em Foco

MP 1.112/2022 é ameaça ao SNCTI

As entidades que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br) alertaram hoje o Congresso Nacional sobre as ameaças que a Medida Provisória 1.112/2022 traz ao Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). O documento foi enviado aos presidentes do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira, bem como a todos os parlamentares de ambas as casas. Confira a íntegra acessando aqui!

Por mais Helenas na Ciência

Helena Nader é a 1ª mulher na presidência da Academia Brasileira de Ciência

Soraya Smaili

Maria Angélica Minhoto

Pedro Arantes

Em meio a tantas notícias complexas e difíceis para a educação e para a ciência em nosso país, nesta semana tivemos um importante momento de celebração e oxigenação, com a entrada da primeira mulher na presidência da Academia Brasileira de Ciência (ABC). Trata-se de Helena Nader, professora titular da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp, e que também já presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A ABC é uma instituição centenária que vem atuando de forma magnífica sob a gestão de Luiz Davidovich, que realizou trabalho agregador e magnífico como presidente. Agora, em ato inédito em sua história, a Academia vai empossar a primeira mulher para dirigi-la. Um fato emblemático que inspira outras mulheres e jovens no mundo acadêmico.

Já mencionamos como as mulheres na ciência experimentam disparidades históricas em seus locais de trabalho, em oportunidades de desenvolvimento e avanço profissional e mais ainda na conquista de cargos de liderança. Por isso é tão importante celebrar a conquista de Helena Nader, que também é de todas nós.

​Ao lado da celebração, pesa o fato de que momentos como esses ainda são poucos. Todos/as, especialmente os tomadores/as de decisões, precisam avançar para que as mulheres ganhem maior representatividade em cargos de liderança na ciência, e onde mais quiserem. Da mesma forma, as mulheres em cargos de direção devem abrir e criar políticas para promover espaços para mais mulheres e suas capacidades. Um movimento que requer mudanças sistêmicas e estratégias e práticas para recrutar, reter e promover as mulheres.

Em levantamento feito com base em dados de fevereiro de 2022 do Portal da Transparência, o pesquisador Alexsandro Cardoso Carvalho, do SoU_Ciência, mostrou que há grande desproporção entre homens e mulheres em posições de destaque na gestão das universidades brasileiras, considerando o nível do vencimento e o status do cargo/função que ocupam.

​O gráfico a seguir, que faz parte do estudo que será publicado em breve, mostra claramente que quanto mais elevado o cargo/função menor é a proporção de mulheres:

Ao conversarmos com a professora Helena Nader, que é também membro do comitê científico do SoU_Ciência, fica evidente a sua luta incansável, desde há muito tempo, pelo direito de todos/as à ciência e pela valorização dos/as cientistas.

Interessante é que há um encontro importante entre a sua eleição e a crescente confiança da opinião pública na ciência e nos cientistas, conforme dados da última pesquisa de opinião realizada pelo SoU_Ciência e pelo Instituto Idea BigData, publicada na Folha de SP.

Nesta pesquisa, vê-se o aumento expressivo da valorização do/a cientista e da ciência, em comparação com pesquisas anteriores. O Brasil, hoje, pensa em ciência, quer debater a ciência e quer ouvir os cientistas.

Temos ainda 40% da população que quer ler artigos científicos, o que demanda dos/as cientistas maior poder de comunicação com a sociedade e dos políticos uma maior elaboração das políticas públicas para inclusão e ampliação do direito à ciência.

O incentivo do governo federal à pesquisa e à educação superior no Brasil, por outro lado, tem sido lamentável. Um contexto agravado pelos cortes orçamentários e pela pandemia do novo coronavírus. Pesquisa do Sou Ciência também mostrou que o emprego e a fome são fatores que despertam maior preocupação nos jovens brasileiros que a educação.

A depender dos rumos, no atual momento político, os avanços necessários à ciência e à educação poderão ficar ainda mais comprometidos, visto o último turbilhão no MEC, com escândalos sobre venda de bíblias, esquemas ilícitos envolvendo pastores e prefeitos com a utilização de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a saída de mais um ministro. O quinto ministro que chega à pasta no início do quarto ano do governo Bolsonaro, elemento adicional que comprova o descaso da gestão com a educação.

Nossos jovens merecem um futuro e é urgente trabalhar para oferecer a eles diversas possibilidades de crescimento pessoal e social por meio de uma educação de qualidade, pública e laica.

​Universidades que formem profissionais qualificados/as para que tenhamos novas descobertas, avanços, desenvolvimento, mais diversidade e igualdade em todos os espaços. Para que tenhamos mais Helenas ocupando postos estratégicos e de destaque na ciência.

Fonte: Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/blogs/sou-ciencia/2022/04/por-mais-helenas-na-ciencia.shtml